Crônica de Luiz Fernando Veríssimo publicado na Zero Hora em 18/10/2004
Do baú. Me disseram Você anda sumido e me dei conta que era verdade. Eu também, fazia tempo que não me via. O que teria acontecido comigo? Não me encontrava nos lugares em que costuma ir. Perguntava por mim e as pessoas diziam é verdade, você anda sumido.E que fim levou você? Eu não tinha a menor idéia que fim tinha me levado.A última vez que me vira fora, deixa ver...Eu não me lembrava!
Eu teria morrido? Impossível, na última vez em que me vira eu estava bem, não tinha que eu soubesse, nenhum problema grave de saúde. E, mesmo, eu teria visto o convite para meu enterro no jornal. O nome fatalmente me chamaria atenção.
Eu podia ter mudado de cidade. Era isso. Podia ter ido para outro lugar naquele momento. Mas por que iria embora assim, sem dizer nada para ninguém, sem me despedir nem de mim? Sempre fomos tão ligados.
No outro dia fui a um lugar que eu costumava freqüentar muito e perguntei se tinham me visto. Não era gente conhecida, precisei me descrever. Não foi difícil porque me usei como modelo. Eu sou um cara, assim como eu. Mesma altura, tudo Não tinham me visto. Que coisa. Pensei: como é que alguém pode simplesmente desaparecer desse jeito?
Foi então que comecei, confesso, a pensar nas vantagens de estar sumido. Não me encontrar em lugar algum me dava uma espécie de liberdade. Podia fazer o que bem entendesse sem o risco de dar como e eu dizer Você hein?.Mudei por completo de comportamento. Me tornei - outro! Que maravilha. Agora, mesmo que me encontrasse, eu não me reconheceria.
Comecei a fazer coisas que até eu duvidaria, se fosse eu. O que mais gostava de ouvir das pessoas espantadas com a minha mudança era: Nem parece você.Claro que não parecia eu. Eu não era eu. Eu era outro!
Passei a me exceder, embriagado pela minha nova liberdade. A verdade é que estar longe dos meus olhos me deixou fora de mim. Ou fora do outro . E um dia ouvi uma mulher indignada com o meu assédio gritar. Você não se enxerga, não? E então eu tive a revelação.
Claro, era isso. Eu não estava sumido. Eu simplesmente não me enxergava. Como podia me encontrar nos lugares onde me procurava se não me enxergava? Todo aquele tempo eu estivera lá, presente, embaixo, por assim dizer do meu nariz, e não me vira.
Por um lado, fiquei aliviado. Eu estava vivo e bem, não precisava me preocupar. Por outro lado, foi uma decepção. Conclui que não tem jeito, estamos sempre, irremediavelmente, conosco, mesmo quando pensamos ter nos livrado de nós.
A gente não desaparece. A gente às só não se enxerga.
2 comments:
Gostei Dinda. Muito legal este texto. Beijos Bruno
Legal teu texto. Bruno
Post a Comment