Sunday, August 06, 2006

ENSINO DE FILOSOFIA NOS CURRICULOS

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA NOS CURRÍCULOS DAS ESCOLAS

*Ivone Fonseca Bengochea




Na oportunidade em que se discute o veto do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, ao projeto de lei que prevê o retorno obrigatório das disciplinas de Filosofia e Sociologia nos currículos das escolas de nível médio, são pertinentes algumas reflexões sobre os caminhos percorridos pelo ensino de Filosofia no Brasil.
É importante ressaltar que a trajetória da disciplina de Filosofia tem sido acompanhada de antigas contradições que sempre caracterizaram historicamente a sociedade brasileira. Contradições que se evidenciaram através da formação social hierarquizada e do modelo econômico excludente. Acrescida, ainda, do demasiado elitismo, do culto ao bacharel e do distanciamento da realidade circundante.
.A propósito dessas circunstâncias é interessante considerar o que Luiz Fernando Veríssimo escreveu para o Memorial do Rio Grande do Sul :"O ser humano é a medida de todas as coisas. Pelo tamanho do Ser Humano se mede a vastidão do universo, assim como pelo palmo e a braça se começou a medir a terra. todo o conhecimento do mundo se faz de uma perspectiva humana, todo o julgamento do mundo se faz de uma perspectiva humana, todo o julgamento do mundo se faz por um parâmetro humano".
O ensino de Filosofia aportou em nosso país com os religiosos da Companhia de Jesus, em 1549, sendo ministrado dentro do ideário da Contra-Reforma, tendendo para o dogmatismo e com uma perspectiva meramente escolástica, sem levar em conta as contribuições teóricas da modernidade européia com Descartes, Bacon, Galileu entre outros. Constituía-se, assim, num projeto de educação para os setores da elite dirigente, com conteúdo livresco e servindo de deleite ao " colono branco, rico e católico".
Após a expulsão dos Jesuítas, por ordem do Marquês de Pombal, no século XVII, não aconteceram mudanças estruturais no ensino de Filosofia, já que permaneceu ignorando os valores nacionais e reproduzindo as concepções aristotélico-tomistas. E, somente com a criação dos cursos jurídicos no Brasil, no século XIX é que a Filosofia tornou-se uma disciplina propedêutica, obrigatória no ensino secundário.
Apesar do esforço de se libertar dos pressupostos religiosos, os conteúdos filosóficos permaneceram intactos reproduzindo o pensamento europeu, primando pela seletividade, com a maioria dos brasileiros excluídos dos benefícios da educação, priorizando a retórica e enciclopedismo, além de ignorar completamente as questões locais
Até o início do século XX, várias legislações no campo da educação foram editadas. Nenhuma delas, porém, aproximou o ensino de Filosofia da realidade brasileira, apesar das reivindicações e do empenho de muitos professores e intelectuais, engajados nos movimentos reivindicatórios.
Em 1915, quando da elaboração da nova reforma educacional, a Filosofia foi colocada como disciplina facultativa Inconformados com essas decisões, os educadores integrantes do movimento , que se denominou Escola Nova, liderados pelo professor Francisco Campos, empreenderam esforços para inserir no documento legal a inclusão obrigatória da Filosofia.
Os escolanovistas .estavam imbuídos de uma tendência renovadora na educação. Entendiam, pois, que diante da crise econômica do modelo agro-exportador brasileiro e a emergência do sistema industrial necessitava-se aprimorar a escolarização para os setores urbanos. A persistência de Francisco Campos conseguiu reverter o quadro, favorecendo a inclusão de conteúdos filosóficos , conseguindo introduzir lógica, sociologia e história da Filosofia no currículo escolar.
Uma nova reforma em 1942, tendo a frente Gustavo Capanema dividiu o ensino em ginásio, com quatro anos, enquanto que o colegial, com três, era subdivido em científico e clássico. O clássico previa uma substancial carga-horária de quatro horas semanais de Filosofia. Uma série de portarias foi aos poucos reduzindo as horas-aulas da disciplina e as séries que contemplavam espaços para os conteúdos de filosóficos..
No ano de 1961,um marco importante foi a edição da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4024. O fato negativo, porém, é que a Filosofia constava apenas como uma disciplina complementar, perdendo assim a sua obrigatoriedade. A inclusão dos conteúdos filosóficos foi jogado para as decisões emanadas através dos Conselhos Estaduais de Educação.
O obscurantismo predominante com a instauração do golpe militar de 1964, evidenciou-se na visão demasiado pragmática dos legisladores de plantão. O cerceamento das liberdades políticas e institucionais baniram a Filosofia dos currículos, tornando-a facultativa .Algumas disciplinas das áreas de ciências humanas sofreram também restrições através de cortes em sua carga-horária
. Em 1968, quando o regime tornou-se mais duro, muitos professores foram cassados e presenciou-se freqüentes perseguições à associações estudantis, entre outras tantas arbitrariedades. Através da Lei de Diretrizes e Bases - LDB 5692/72,, imposta verticalmente, o ensino de Filosofia tornou-se facultativo, sendo substuído por componentes doutrinários como Moral e Cívica e OSPB., E com o assessoramento dos técnicos do (MEC-USAID), investiu-se no ensino profissionalizante, seguindo-se os conceitos tecnicistas.
Algumas escolas, minoritariamente, mas com muito esforço e perseverança de seus docentes conseguiram resistir ao massacre intelectual da época de que "pensar é perigoso" e mantiveram à duras penas Filosofia em suas bases curriculares.
O fim da ditadura e a conseqüente redemocratização do país trouxeram novas luzes. A disciplina de Filosofia foi retornando gradativamente às grades curriculares das escolas de maneira optativa. E, assim, renovaram-se as esperanças dos professores e das entidades associativas pela inclusão obrigatória do ensino de Filosofia dentro da LDB nacional .
Mas, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, depois de oito longos anos de discussão no Congresso Nacional, foi finalmente aprovada em 1996. Para decepção de todos não contemplou a obrigatoriedade do ensino de Filosofia. Apenas faz a recomendação da disciplina como indicativa através da complementariedade dos chamados Temas Transversais e dos Parâmetros Curriculares que não garantem o pleno desempenho da Filosofia, pois são de difícil aplicabilidade em função da estrutura e da burocracia escolar.
Importa deixar claro as conseqüências negativas resultantes da situação de não-obrigatoriedade do ensino de Filosofia nos currículos das escolas ensino médio do país, deixou marcas indeléveis na educação e na formação cultural da nossa juventude, participantes de uma crise política, social e ideológica, onde vislumbram o individualismo, a competitividade, a ausência de idéias solidários, o consumismo, o imediatismo, o supérfluo predominando sobre o necessário.
Imersos na avalanche midiática do discurso lacunar, da competitividade, da ausência de criticidade, das idéias prontas, mas tidas como verdadeiras e imutáveis, a maioria dos jovens brasileiros, infelizmente, não têm acesso ao ensino universitário, estando, portanto, alijados do espaço privilegiado para filosofar, aprender a pensar por si mesmo e exercitar a cidadania.
Urge, portanto, desmistificar a idéia corrente segundo a qual a Filosofia é uma disciplina difícil, complicada, obscura e que nesta sociedade tecnologicamente avançada trata-se de um saber inútil, sem nenhuma relação com as atividades da vida prática. O estigma que paira sobre a Filosofia precisa ser contestado, já que carrega consigo o propósito de desistimular a reflexão crítica sobre as circunstâncias em que se vive, aceitando com passividade a rigidez do senso comum e os preconceitos. Como diz Hegel "a Filosofia, desde o ponto de vista da razão humana, é o mundo ao avesso".
A luta pelo retorno da Filosofia não se restringe à obrigatoriedade nos currículos do ensino médio, um esforço que está sendo empreendido por significativos segmentos da sociedade. Mas, é imprescindível, também, revitalizar o saber filosófico e valorizar os seus profissionais.
O ensino de Filosofia necessita além explicitar a sua inclusão, perguntar pelo seu sentido,definir o seu papel e proporcionar a investigação dos referenciais teóricos e metodológicos para que seja possível compreender o que tem de específico em relação às demais disciplinas.
O espaço da Filosofia é um espaço de busca e de diálogo, como está presentificado na própria origem da palavra Filo, aspiração, amor, e Sofia, sabedoria. Diante dos desafios do nosso tempo, mais do que nunca, é fundamental que se filosofe, que se aspire à sabedoria, no sentido grego da palavra, que se sature a capacidade do " assombro" .
Assombro sim diante dos acontecimentos, das vivências, porque é do assombro que surge a pergunta e com a pergunta o problema e com o problema a intenção de solucioná-lo. Numa seqüência e numa aspiração sempre renovada de conhecimento e sabedoria.
* Publicado na Revista originalmente na Revista VOX XXI.






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1 comment:

Anonymous said...

[otimo é isto mesmo, a filosofia renegada. Ainda bem que ela esta voltando