Sunday, May 06, 2007

MULHERES DE ATENAS- A CIDADANIA EXCLUDENTE NA ANTIGUIDADE E NOS NOSSOS DIAS - UM PARALELO

Mulheres de Atenas – a cidadania excludente na antiguidade e nos nossos dias – um paralelo. Ivone Bengochea
A canção de Chico Buarque e Augusto Boal, mulheres de Atenas, que acabamos de ouvir, é em toda sua extensão o desdobramento de inúmeras metáforas em que os sujeitos são as mulheres. Aliando argumentos permeados de ironia já que são argumentos femininos no coletivo, com verbos conjugados na terceira pessoa do plural. Ajoelham-se, pedem, imploram, despem-se, temem, sofrem para seus maridos e secam, isto é, morrem.
Não há sinais de vida própria, autônoma porque elas, as mulheres de Atenas, não têm defeitos ou qualidades, nem gosto ou vontade, nem sonhos e sim presságios e, ainda sofrem as mais duras penas que os autores buscam rimar com cadenas. O termo cadenas tem origem no espanholismo que significa corrente, cadeia. Ex. encadenados (acorrentados). No dicionário do Aurélio consta como um meio utilizado para tirar o chifre dos touros, sem perigo, o laço que o prende. Significando, portanto, aprisionamento. Ironicamente, é uma advertência às mulheres contemporâneas que ainda vivem acorrentadas sob o jugo do modelo da sociedade patriarcal, com costumes praticados em Atenas, da antiguidade grega, onde prevalecem apenas os argumentos masculinos. Por exemplo, na Odisséia, o filho de Penélope a repreende diante de seus pretendentes.
(...) recolhe-te à tua câmara e trata dos lavores que te são próprios, do tear e da \ roca....
A pujante Atenas do século VI a C. é o berço da democracia, a origem do cidadão como um ser da cidade e vínculo tecido pela mesma lei (nomos). As leis são discutidas nas assembléias (eklesia) que se realizam na praça pública (agora). Ali, o valor supremo é a palavra, a argumentação, o debate de idéias. Uma democracia exemplar se não fosse o restrito número de participantes.
Em toda estrutura da sociedade ateniense estava implícita a dicotomia cidadão e não-cidadão. A cidadania, para os gregos, era um bem inestimável, a plena realização do homem se fazia na sua participação integral e política da pólis. Não participar das atividades da cidade significava estar alijado da esfera pública e privar-se da igualdade e dos direitos.
Quem é destituído da cidadania, em Atenas, está necessariamente na esfera privada, no espaço da sujeição, vinculado às atividades de sobrevivências – o lugar da mulher, do escravo e os filhos, sem direitos, sob o domínio despótico do chefe de família. As mulheres certamente estão na esfera privada, no interior da casa (oikos). Por ironia, quem cuida da casa são as elas.
Uma boa mulher conserva e poupa o adquirido pelo marido ( econômico III, 2)
Oikos e nomos vão dar origem à palavra economia que trata da riqueza. Oikos que se traduz por casa também tem o sentido dos bens do senhor dentro ou fora da polis. Os excluídos são sempre seres incompletos na justificação dos teóricos:

A inferioridade da mulher e da sua posição pode ser atestada pela Política de Aristóteles que a justificava em virtude da não plenitude na mulher da parte racional da alma, o logos.
Jean Pierre Vernant, especialista em antiguidade observa: mesmo que o que implicava o sistema da pólis era primeiramente uma fantástica preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. Palavra que não era mais o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a argumentação. Calar a mulher significava, portanto, o mesmo que excluí-la da cidadania.
Partindo da premissa que a literatura e a história são narrativas da memória, ambas têm em comum o estatuto da arte da palavra, é oportuno recorrer a Gerald de Messandie na obra ficcional “Sócrates e Xantipa, um Crime em Atenas”. Há comprovações históricas que Xantipa era a esposa de Sócrates, o primeiro grande filósofo ateniense. Porém, são raríssimas as referências documentais sobre ela. Xenofonte, historiador grego, discípulo de Sócrates, a descreve com a megera, a ranzinza, a insuportável esposa do filósofo. Entretanto, Messandie, valendo-se dos recursos literários dá voz e vida inteligível a Xantipa, uma jovem pobre, que é destinada em casamento a Sócrates.
Xantipa ansiava pelos braços de um homem, um verdadeiro, eles teriam contido esse caos dos quatro elementos, turbilhantes nas jovens solitárias: o fogo da imaginação, o vento do delírio, a água dos humores, a terra da carne. Um homem que fosse a grande urna na qual ela pudesse encerrar para sempre a violência do incriado. Até então, ela só conhecera o que era possível para as jovens de sua condição. Emoções breves e decepcionantes, que para ela eram simulacros do desejo: ainda que fosse atraente para as mulheres. Xantipa não era lésbica. Pobre e sem atrativos estava a ponto de permanecer infecunda, quando enfim foi pedida em casamento. E isso aconteceu já na idade avançada de vinte e quatro anos.
Sócrates foi apresentado a Xantipa aos 31 anos, aproximadamente a idade em todos casavam. Dos quinze aos trinta, eles viviam nos bordéis atrás de moços ou de mocas, ou por vezes de ambos. Depois chegava a hora de fazer filhos, a fim de dar soldados à cidade ou descendentes a seus ancestrais.
Sócrates é sábio. Xantipa é a ranzinza e um ser inconcluso porque lhe falta a argumentação, a palavra. Sócrates conhece e usufrui todos os prazeres, as carícias plenas. É venerado e disputado pelos seus discípulos, inclusive tem um affair pelo belo Alcibíades, um jovem de caráter duvidoso, seu discípulo e partícipes dos banquetes. O método socrático é a mauetica, o parto das idéias, e os argumentos são discutidos até a exaustão com os homens livres.Na cultura androcêntrica de Atenas era socialmente aceita a pederastia, o amor entre um homem mais velho e um rapaz. Sócrates vai para a praça, para o banquete. Xantipa fica no oikos, gerando e cuidando os filhos de Atenas, sem os prazeres, sem as carícias plenas e os desejos sublimados de acordo com o modelo feminino vigente. As mulheres respeitáveis ficavam segregadas ao aposento da casa (o gineceu).
Uma mulher respeitável devia permanecer dentro de casa. As estradas são para elas desonrosas (Menandro, fragmento 46)
E por falar em palavra, em economia e em direitos, estradas perigosas, na polis moderna que habitamos, é importante ressaltar que são válidos quase sempre os argumentos masculinos, econômicos, financeiros em detrimentos aos direitos dos demais. Permanece, apesar dos tempos, na sociedade brasileira o modelo do colonizador europeu, ou seja, do homem branco, rico e católico, aos demais – índios, negros, pobres, trabalhadores restam a cidadania excludente.
Não é de se estranhar que a idéia de direitos humanos no bombardeio do discurso midiático atual apresenta-se como uma idéia incomoda, eivada de preconceitos, de subterfúgios que mascaram a falsa igualdade entre os desiguais tais como: bandido bom é bandido morto, direitos humanos são direitos dos assassinos, o correto é primeiro atirar e depois perguntar, pena de morte, fim da menoridade penal e a constante criminalizacao dos movimentos sociais.
Sabe-se, que as balas perdidas, a pontaria das metralhadoras policiais estão determinadas pelo destino que os gregos chamavam de moira para aqueles que, de alguma forma, já cumprem pena de vida. Combate-se a violência com mais violência, em especial para os já marcados antes de nascer como os que estão no ventre das meninas estupradas. Uma cena cotidiana dantesca e impune que mofa os nossos olhos. Para os que habitam as vilas periféricas, os barracos, quanto mais escura for a cor da sua pele, menos válidos serão os seus argumentos. Exemplo recente da prevalência dos argumentos econômicos é o despejo de 38 pacíficas famílias, na sexta-feira, com um aparato policial nunca visto para desalojá-las em um prédio abandonado no centro da cidade. Famílias compostas por mulheres, crianças e homens pobres que ousaram reivindicar o direito a uma habitação digna e, pior, com uma vista para o Guaíba. Os que outrora, como nós, ainda vislumbravam o rio de sua janela estão ofuscados pelos suntuosos prédios públicos federais e os espigões que a especulação imobiliária reivindica e o poder público permite. Nas ruas, nas praças do nosso porto já não muito alegre, são perceptíveis os sinais de desrespeitos aos mais elementares dos direitos humanos – a vida, a dignidade, a integridade. Multidões de desvalidos vagando nas ruas sem o mínimo amparo das ditas políticas públicas. Na nossa polis, no nosso estado e no nosso país, os argumentos financeiros agem em detrimento de seus habitantes mais desfavorecidos e, portanto, destituídos da palavra e da cidadania.
Mas, retomando às mulheres contemporâneas, não poderia deixar de fazer referência ao filme Volver, do Almodóvar, ainda em cartaz nos nossos cinemas. Volver é um filme dirigido por um homem e pleno de argumentos femininos. Mulheres que refletem incessantemente o seu cotidiano, suas tradições. Mulheres que ousam romper as barreiras e dizem a sua palavra no entremeio da poderosa tradição secular espanhola.
A atriz Penélope Cruz, linda na pele de Raimunda é uma mulher dos anos 2000, trabalha, controla as despesas, inclusive os gastos do celular da filha adolescente. Nega despir-se para o marido bêbado e agressivo. Um marido aos pedaços com olhares lascivos para sua menina. Raimunda carrega dentro de si os traumas da violência familiar e obstinadamente luta para estancá-la para sempre Ela tem defeitos e qualidades, tem sonhos o que a diferencia das mulheres de Atenas e luta contra o medo. É preciso dar um futuro para sua filha, qualquer perspectiva de futuro para as novas gerações não pode estar assentada na mentira, na hipocrisia, no faz de conta que nada aconteceu. Tarefa quase insuportável para qualquer ser humano, muito mais árduo para uma mulher. Mas, Raimunda persiste, luta e consegue. Um filme de rara beleza com a elegância das metáforas para denunciar a e a crueldade e a sutileza da violência doméstica. Volver não com a cara marchita (enrugada) como no tango de Gardel. A cara da atriz é perfeita, ela age enquanto é tempo, corajosamente. Num exercício articulado, fazendo inveja a qualquer exercício de mauetica socrática.
E, agora, para não transparecer a amargura diante dos acontecimentos. Quero homenagear um homem muito especial, o jornalista João Aveline, que nos deixou na primavera, de 2005, jovem aos quase 90 anos de vida. Uma vida dedicada às causas libertárias, e, especialmente as mulheres. Aveline morreu digitando um livro sobre nós, sobre as lutas, as nossas vicissitudes. Ele sempre declarava que entre os excluídos, a exclusão da mulher era muito mais dramática. Aveline é ícone das lutas libertárias, em Porto Alegre.
Por fim,agradecendo a paciência dos presentes, colocando um pouco de alegria na mesa, e nas comemorações da semana de Porto Alegre, digo que todas nós mulheres temos um quê de bailarina, quando o palco se ilumina, ficamos roxas para dançar, com direito ao Almodóvar no palco e todos os homens libertários do mundo. Quem sabe? O Chico Buarque está em turnê na cidade

Friday, January 19, 2007

REUNIÃO DO CONSELHO ESTADUAL - PLENÁRIA

CENTRO DE ESTUDOS DE FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
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Agradecemos, em nome do PENSARE, Centro de Estudos de Filosofia, Educação e Humanidades, o convite e a acolhida do Conselho Estadual de Educação para a plenária sobre o retorno obrigatório do ensino de Filosofia e Sociologia nos currículos das escolas.
Somos professores que nos reunimos sistematicamente e de modo voluntário, com o objetivo primordial de promover a integração de professores de Filosofia e áreas afins para permutar vivências, buscar a valorização profissional e pensar o ensino das disciplinas, através de uma reflexão em grupo, viabilizando revitalização do saber filosófico humanístico e aprimoramento da docência.
Integramos com outros segmentos da sociedade civil a luta, recentemente vitoriosa, pela explicitação legal da Filosofia e da Sociologia. Entendemos que educação é um direito e para todas as pessoas e é dever possibilitar o encontro dialógico com a leitura e com os acervos filosóficos, históricos e culturais, heranças dos conhecimentos construídos e acumulados pela espécie humana. E, para isso viabilizamos nossas ações por intermédio de cursos, oficinas, debates, saraus literário-filosóficos em parceria com entidades culturais, sindicais e comunitárias.
Os estudos realizados pelo PENSARE destacam que a Filosofia, mesmo sendo um dos mais antigos campos do saber humano, transita nas escolas de ensino médio sem a desenvoltura das demais disciplinas do currículo. Incompreendida pelo sistema escolar, que não tem claro o papel no ensino como um pensar problematizador e não uma coleção de problemas.
O ensino de Filosofia é visto, muitas vezes, como um saber inútil, sem nada a ver com o cotidiano da escola e das pessoas e, em algumas situações, como um remédio eficaz para todos os males que assolam a educação como um todo.
Sobre a visão da inutilidade da reflexão filosófica nos valemos de um diálogo do imortal cartunista Quino e a sua personagem Mafalda quando questiona seu amigo Manolito sobre o conteúdo do jornal.
Mafalda  O que tem neste recorte de jornal Manolito?
Manolito  As cotações do mercado de valores.
Mafalda  Valores morais? Espirituais? Artísticos? Humanos?
Manolito  Não, dos que servem para alguma coisa.
É verdade que a Filosofia não interfere no funcionamento do mundo dos negócios, não coloca o alimento nas nossas mesas, não organiza o espaço aéreo, não traz receita para os nossos desconsolos existenciais. Talvez por isso a relutância em incluí-la nos currículos do ensino médio para entabular o pensar problematizador de Mafalda, num mundo aparentemente tudo é comprado, inclusive os corações e as mentes da juventude.
Os legisladores brasileiros, no que refere à Filosofia, nunca se sensibilizaram suficientemente com o apelo milenar de Epicuro (341-270 ªC) de que “nunca se protele o filosofar”, deixando lacunas impertinentes entre uma legislação e outra, fazendo com que a disciplina ocupe um tímido e difuso espaço nos currículos das escolas.
Para pensar a qualidade da Filosofia nos currículos das escolas públicas de ensino médio é preciso considerar os problemas decorrentes do longo período do caráter optativo da disciplina nas grades curriculares. A disciplina resta como problema, desde o seu retorno gradativo ao currículo, a partir da década de 80.
Quando se busca compreender a presença do ensino de Filosofia na legislação educacional brasileira observa-se que, historicamente, o estatuto da disciplina foi passível de lacunas e de permanências, que a fazem oscilar entre ser uma disciplina obrigatória e, na maioria das vezes, optativa. Mesmo com o advento de várias leis no campo educacional, até o início do século XX, não se vislumbrou uma ligação mais efetiva entre o ensino de Filosofia e a realidade brasileira.
A década de 60 teve como um marco, no nosso país, a edição da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4024/61. O fato negativo, porém, é que a Filosofia constava apenas como uma disciplina complementar, perdendo assim a sua obrigatoriedade. A inclusão dos conteúdos de Filosofia foi jogada para as decisões que deveriam emanar dos Conselhos Estaduais de Educação.
A predominância do obscurantismo, com a instauração do golpe militar de 1964 materializou-se na visão demasiado utilitarista dos legisladores de plantão. O cerceamento das liberdades políticas e institucionais baniu a Filosofia dos currículos, tornando-a facultativa. Algumas disciplinas das áreas do saber humano sofreram também restrições através de cortes em sua carga-horária.
A triste lembrança do ano de 1968, quando o regime militar tornou-se mais duro, nos faz recordar que muitos professores universitários foram cassados, encabeçando a lista os professores de filosofia. Também eram freqüentes perseguições a associações estudantis e aos movimentos sociais, entre outras tantas arbitrariedades.
Através da Lei de Diretrizes e Bases - LDB 5692/72, imposta verticalmente, o ensino de Filosofia tornou-se facultativo, sendo substituído por componentes doutrinários como Moral e Cívica e OSPB. E com o assessoramento dos técnicos do MEC-USAID, investiu-se no ensino profissionalizante, seguindo-se os conceitos que predominaram na visão tecnicista da educação.
Algumas instituições educacionais, minoritariamente, mas com muito esforço e perseverança de seus professores e alunos conseguiram resistir ao massacre intelectual da época e mantiveram a duras penas a Filosofia em suas bases curriculares.
A reorganização dos movimentos populares e a conseqüente redemocratização do país trouxeram novas luzes. A disciplina de Filosofia foi retornando gradativamente às grades curriculares das escolas de maneira optativa. E, assim, renovaram-se as esperanças dos professores e das entidades associativas pela inclusão obrigatória do ensino de Filosofia dentro da nova legislação.
Mas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, depois de oito longos anos de discussão no Congresso Nacional, foi finalmente aprovada em 1996. Para decepção da maioria, não contemplou a obrigatoriedade do ensino de Filosofia. Apenas faz a recomendação artigo 36, “o domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários para o exercício da cidadania”. O ensino de Filosofia, portanto, permaneceu optativo. Jogou-se, dessa forma, o preenchimento da lacuna na LDBN para a complementaridade dos chamados Temas Transversais e dos Parâmetros Curriculares que não garantem o pleno desempenho da Filosofia, pois são de difícil aplicabilidade em função da estrutura e da burocracia escolar.
Convém ressaltar que em boa parte dos discursos oficiais das autoridades brasileiras, o ensino de Filosofia é exaltado como um “componente indispensável” para a formação integral dos jovens e como ferramenta para o desenvolvimento da consciência crítica e da cidadania. Essa glorificação da disciplina de Filosofia não está restrita apenas à retórica dos discursos, mas está gravada, no mínimo, em dois textos. Trata-se de duas Cartas de Intenções, assinadas no Exterior por autoridades brasileiras: a “Declaração de Paris para a Filosofia”, em 1995 e o “Relatório Jaques Lecors”, em 1996.
O primeiro documento é a “Declaração de Paris para a Filosofia”, de 1995, subscrita por filósofos de várias partes do mundo - entre eles, a Professora Marilena Chauí, da Universidade de São Paulo, e o Professor Donald Davidson, de Berkeley nos Estados Unidos. É resultado de uma enquete entre os países filiados à UNESCO sobre a situação do ensino de Filosofia. Contém, além disso, uma vasta reflexão filosófica de caráter propositivo sobre o assunto.
Também está contemplada, no documento, a urgência em propagar a educação filosófica, tornando-a acessível para a maioria dos cidadãos. O texto destaca ainda que “a educação filosófica deve ser preservada onde já exista, criada onde não exista e denominada explicitamente de filosofia”.
Em relação aos professores para o magistério da Filosofia, o documento explicita que “a educação filosófica deve ser assegurada por professores competentes, especialmente formados para este fim, não pode estar subordinada a nenhum imperativo econômico, técnico, religioso, político ou ideológico”.
O segundo documento é o Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, que se tornou conhecido como o Relatório Jacques Delors, recomenda que a educação deve se organizar em torno de quatro aprendizagens: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.
Aprender a conhecer é dominar os instrumentos do conhecimento como meios através dos quais seja possível compreender a realidade circundante e construir esse entendimento do real, com discernimento e autonomia.
Aprender a fazer, em certo sentido é indissociável de aprender a conhecer, diz respeito ao trabalho e à socialização como um todo.
Aprender a conviver é aprender a viver com os outros, cultivar o respeito pela multiplicidade de opiniões, perceberem as interdependências - dos fatos, dos discursos, das éticas.
Finalmente, aprender a ser tem como perspectiva que a educação contribua para o desenvolvimento total da pessoa como um ser integral dotado de corpo e espírito, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, com pensamentos autônomos e críticos, condições para formular os seus próprios juízos de valor, decidir e agir em diversas circunstâncias da vida.
Os textos dos dois documentos referidos foram elaborados em espaços de tempo distintos. Entretanto, ambos recomendam não somente a necessidade dos conteúdos filosóficos para a formação da cidadania, mas, sobretudo indica a urgência da explicitação da Filosofia como disciplina que deve fazer parte integrante da grade curricular de forma inequívoca. Isso quer dizer que se deve explicitar claramente o caráter dessa disciplina.
Nossas crianças, hoje massificadas por valores consumistas, cedo perdem a autonomia, mergulham na realidade midiática - e, por que não. Imediatista - dos discursos lacunares. São absorvidas pela cultura do individualismo e do sensacionalismo que explora a vida íntima das pessoas e por uma civilização eletrônica que amarra e isola os seres humanos e, ao mesmo tempo, conduz ao conformismo, ao abstencionismo político e à desesperança na cidadania.
Em relação aos professores, nota-se o desânimo diante de uma carreira profissional que deixou de ser atraente para a maioria, a começar pelos salários extremamente defasados. Encontram-se impotentes diante da rapidez com que se transformam os conhecimentos, e com um componente mais dramático: não se vislumbram perspectivas otimistas em curto prazo.
A aprendizagem saudável depende decisivamente da relação da estima positiva do educador, da gratificação do seu trabalho, da interação emocional saudável com seus alunos e necessita, de maneira sistemática, de auto-reflexão e reflexão coletiva de suas vivências pedagógicas.
A reflexão precisa ser sistemática e não uma prática intermitente. As experiências negativas e as contradições que se instauram no interior das escolas prescindem da crítica permanente oportunizando, dessa forma, as condições para viabilizar o rompimento de uma cultura pedagógica fundamentada no senso comum. As mudanças possíveis dependem, decisivamente, de uma nova mentalidade dos seus integrantes.
É bem verdade que, em nossos dias, muitas escolas públicas contam com a Filosofia em suas grades curriculares. Mas um olhar mais detalhado sobre o ensino de Filosofia torna perceptível que o seu papel no currículo ainda carece de sentido: não existe clareza pelas coordenações pedagógicas e do sistema escolar como um todo acerca do papel da Filosofia e de sua especificidade.
Neste sentido, é fundamental investigar qual o lugar da filosofia nas escolas de ensino médio e o papel que a disciplina desempenha dentro dos currículos. Entre as inúmeras deficiências que envolvem o ensino de Filosofia são perceptíveis: a carência de referenciais teóricos e metodológicos; a diminuta carga horária; os conteúdos desconexos e desconectados; e o despreparo didático-pedagógico dos professores da disciplina. Há que salientar ainda, como um problema sério e mais relevante, o fato de um número expressivo de professores da disciplina não serem habilitados para tal exercício. Enquanto que os habilitados estão em grande número, exercendo outras funções na escola.
Os referenciais teóricos e metodológicos que servem para embasar o ensino-aprendizagem da Filosofia podem ser alcançados através de um encontro dialógico - da história do pensamento universal com os temas da contemporaneidade. Não se trata, evidentemente, de colecionar um conjunto de conteúdos desarticulados, mas disponibilizar um acervo indispensável de temas para o desencadeamento do processo de filosofar.
É precisamente essa fragilidade da filosofia - que não tem o seu próprio currículo estabelecido a partir de objetivos específicos e claros - que a faz diluir-se na sala de aula em debates equivocados que se esvaziam em si mesmos, em falsas questões, em modismos, tudo isso utilizado como tentativa - sempre vã, é claro - de resolver questões dramáticas que atingem a sociedade.
A metodologia é o caminho através do quais os aprendentes, ou seja, professores e alunos conseguem percorrer os caminhos de acesso à reflexão crítica. De acordo com o filósofo Kant “não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar”. Como filosofar sem uma base filosófica? Que caminhos percorrer? Quais as trilhas que nos conduzirão ao filosofar no plano teórico e prático? Não se garante a liberdade de expressão com métodos do tipo “laissez-faire”, com idéias à deriva simplesmente.
Como sensibilizar os professores para que possam refletir sobre as suas vivências diárias na sala de aula? Como incentivá-los a construir os espaços que melhorem o ensino de Filosofia? Como proporcionar aos profissionais do ensino uma formação aprofundada nos níveis teórico, práticos e criativos, orientados para a docência?
Agradecemos mais uma vez a oportunidade oferecida e depositamos as nossas esperanças no sentido que a Filosofia retorne ao lugar que lhe é merecido nas escolas e de mãos dadas com as demais disciplinas do currículo contribuam para um mundo mais justo e mais solidário.
Muito Obrigada
Ivone Bengochea
Ethon A, Fonseca. Coordenadores do PENSARE, em 29 de novembro de 2006
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Tuesday, January 02, 2007

ANO COMECA COM A INDEFINICÃO SOBRE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA

Ano começa com indefinição sobre filosofia e sociologia
Norma nacional pede a volta das disciplinas, mas escolas ainda não sabem como aplicá-la
Igor Giannasi A norma entra em vigor em agosto de 2007, mas ainda não se sabe ao certo se as escolas de São Paulo seguirão a determinação de ensinar filosofia e sociologia aos alunos do ensino médio. Um parecer do Conselho Nacional de Educação, de 11 de agosto, determinou o prazo de um ano para que as escolas do País planejem a implantação dessas disciplinas. Mas, recentemente, um documento do Conselho Estadual de Educação (CEE) paulista causou confusão entre instituições de ensino e entidades de classe, dando margem à interpretação de que o conselho desobrigava a inclusão das disciplinas no próximo ano. Para piorar a situação, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp), que representa escolas particulares, é contrário à ampliação da grade. “O Conselho Nacional de Educação está engessando os estabelecimentos de ensino”, critica o presidente da entidade, José Augusto de Mattos Lourenço. Tanto o Sieeesp quanto o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) receberam diversas consultas de instituições querendo saber se deveriam ou não aplicar as disciplinas. “Muitas escolas que já tinham essas aulas estavam querendo tirar filosofia e sociologia da grade e só retorná-las em 2008”, afirma o presidente da Apeoesp, Carlos Ramiro de Castro.No documento, o CEE pronuncia-se “pela não obrigatoriedade da introdução de filosofia e sociologia no currículo das escolas de ensino médio, no âmbito de sua jurisdição, no ano de 2007 (...) pela rede pública estadual, bem como, pelas escolas da rede privada de ensino”.Segundo o presidente do conselho, Pedro Salomão José Kassab, a indicação serviu para esclarecer que as escolas não teriam a obrigação de começar as aulas já em 2007. “É uma enormidade estarem falando que o conselho não quer ensinar sociologia e filosofia”, defende-se. No entanto, mesmo que recomendasse às escolas a não inclusão das disciplinas, o parecer do Conselho Nacional seria soberano sobre a indicação. “Nenhum conselho dos Estados brasileiros pode ignorar ou recomendar que se ignore um parecer nacional”, diz o conselheiro César Callegari, um dos relatores do parecer. “São Paulo não é um Estado em que uma decisão como essa fique despercebida.” Recentemente, representantes dos conselhos nacional e estadual se reuniram e, segundo Callegari, ficou claro que o documento paulista era só uma orientação às escolas. Ele explica que, até a data definida pelo Conselho Nacional de Educação, as escolas devem apresentar os parâmetros de como irão se adaptar à norma. E, segundo ele, o parecer não estabelece uma data para a inclusão da sociologia e da filosofia no currículo e sim que esse prazo deve ser especificado no planejamento de cada escola. Essa interpretação, porém, não é compartilhada pelo presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Paulo Roberto Martins. “Em agosto de 2007, aquelas instituições que não tiverem colocado as disciplinas, que o façam.” Além do aumento dos custos com a contratação de professores dessas áreas, o presidente do Sieeesp questiona se haverá profissionais habilitados para suprir a demanda que irá surgir. Segundo Martins, estima-se que 800 professores da matéria se formam a cada ano no Estado. POLÊMICA ANTIGAA questão de filosofia e sociologia no ensino médio é uma polêmica que dura alguns anos. Em 2001, o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso vetou um projeto de lei que pedia a volta das duas disciplinas, alegando falta de professores para dar as aulas nas escolas.Callegari suspeita que a aprovação da indicação do conselho estadual seja, aparentemente, uma manifestação dos interesses das escolas privadas. Já uma fonte que não quis se identificar e fez parte do Conselho Nacional de Educação nos últimos anos do governo FHC e no início do governo Lula, mesmo favorável à inclusão das duas disciplinas no currículo do ensino médio, afirma que não houve uma argumentação teórica para dar suporte ao parecer. A aprovação teria sido resultado de um lobby feito por representantes dos professores de filosofia e sociologia.

CURSOS DO PENSARE

CURSO HUMANIDADES E SEU ENSINO
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA - MAIO DE 2005