Wednesday, March 04, 2009

O Eros invisível

A condenação do amor carnal como um pecado contra o espírito não é cristã e sim platônica. Eros é invisível; não é uma presença, é a obscuridade palpitante que rodeia Psiquê e a arrasta numa queda sem fim.

A condenação do amor carnal como um pecado contra o espírito não é cristã e sim platônica. Para Platão a forma é a idéia, a essência. O corpo é uma presença no sentido real da palavra: a manifestação sensível da essência. É a imitação, a cópia de um arquétipo divino, a idéia eterna. Por isso, em Fedro e em O Banquete, o amor mais elevado é a contemplação do corpo formoso - contemplação roubada da forma que é essência. O abraço carnal entranha uma degradação da forma em substância e da idéia em sensação. Por isso também Eros é invisível; não é uma presença, é a obscuridade palpitante que rodeia Psiquê e a arrasta numa queda sem fim. O apaixonado vê a presença banhada pela luz da idéia; quer tê-la, mas cai na treva de um corpo que se dispersa em fragmentos. A presença renega a sua forma, regressa à substância original para, no final, anular-se. Anulação da presença, dissolução da forma: pecado contra a essência. Todo pecado atrai um castigo: de volta do arrebatamento, encontramo-nos de novo frente a um corpo e uma alma outra vez estranhos.
Platão percebeu claramente a vertente pânica do amor, sua conexão com o mundo da sexualidade animal e quis rompê-la. Foi coerente consigo próprio e com sua visão do mundo das idéias incorruptíveis. Mas há uma terrível contradição na concepção platônica do erotismo: sem o corpo e o desejo que provoca no amante, não há ascensão rumo aos arquétipos. Para contemplar as formas eternas e participar da essência, é preciso passar pelo corpo. Não há outro caminho. Nisso o platonismo é oposto da visão cristã: o eros platônico busca a desencarnação enquanto o misticismo cristão é sobretudo amor, a exemplo de Cristo, que se transforma em carne para nos salvar. Apesar dessa diferença, ambos coincidem em sua vontade de romper com este mundo e subir ao outro. O platônico pela escala da contemplação, o cristianismo pelo amor a uma divindade que, mistério inefável, encarnou num corpo.